terça-feira, 1 de dezembro de 2015

À flor da pele


Loba 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
A noite tem efeito inebriante sobre os amantes. Ainda que a luz fosse artificial,
ela podia perceber o calor do corpo sobrepulsar, queimando a pele e aquecendo o tecido leve do vestido que usava. Era chama. Ele arde nela todos os dias. Inexplicável força tem o Sol sobre os desejos daquela loba. Diante dele, ela se despe de peças, de ornamentos, de conceitos, de idiossincrasias. Porque diante dele, ela é somente loba que se entrega como presa. Loba que se rende ao delírio do gozo, à delícia do toque, ao instante mágico do prazer. Estreitos são os quereres, os corpos serpenteiam, as mãos dançam a dança frenética da alegria. Boca, mãos, corpo, tudo entregue ao calor que emana do Sol e vem, docemente, mostrar-lhe o verdadeiro paraíso.

A chuva
(Por Claudia Vanessa Bergamini)
A chuva ainda não chegou, mas no ar o cheiro de terra já anuncia sua iminência. O céu já adverte, revelando o cinza que há dias tem insistido em permanecer. Parecem sentir a presença do chuvisco os pássaros que ainda resistem voar na penumbra que se tornou o dia tão tomado pela luz do sol. Parecem também sentir a presença da chuva os animais que perambulam pela rua. Inquietos, demonstram estar à procura de abrigo. Toda a viração que a chuva provoca, todos os cheiros que dela emanam, todos as incertezas que ela jorra no ar podem ser deliciosamente esquecidos quando, enfim, a água nos brinda com a possibilidade de absterger tudo aquilo que não é bem-vindo, tudo aquilo que carece de ser renovado.

Sentir 
(Claudia Vanessa Bergamini)
As gotas de orvalho são muitas. Densas e insistentes denunciam o tamanho do prazer, o corpo trêmulo denuncia que o gozo foi pleno e os olhos entregam descaradamente que amanhã o desejo mais uma vez estará a bater à porta.

Não quero Conselho 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

- Então, você tem um conselho a me dar? - Sim, preciso te mostrar o que não enxerga. - Maravilha! Comece me mostrando onde é a saída. 

Acredite apenas 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
- E se eu não entender sua sinceridade? - Estou te ensinando a mudar a cada dia, com carinho e paciência, mostro a você quem eu sou! 

A cidade e a noite 
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Há um mistério que envolve as ruas da cidade à noite. Os espaços, tão cheios de vida ao longo do dia, ganham ares nostálgicos. As ruas, tão acobertadas pelos transeuntes que num frenesi cotidiano nem olham para as belezas que ela oferece, escondem sua magnitude, sua beleza e somente se apresentam como espaço de passagem. Todavia, à noite, a cidade é mistério... É a deusa que pede para ser despida e ter suas faces interpretadas. As luzes dão ares de romance a espaços tão insignificantes à luz do dia. A noite brinda os lugares com um tom sedutor e envolvente. E nós nos colocamos como amantes enebriados por espaços tão obscuros, porém que convidam a desvenda-los.




Rua, cidade e enigma
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Olho para a rua, assim vazia, assim enigmática. Penso naquele que por ali passa. Solitário transeunte a caminhar para dentro de si. Na madrugada, diante do silêncio doce e envolvente, torna-se a musa sem contempladores, a deusa sem um deus aos seus pés, a rainha desprovida de súditos. Cidade de encantos e de sutis detalhes. Em seus caminhos vejo possibilidades, em suas ruas vejo eras e eras de histórias, de gerações sem memória e de outras com vitórias.




Crepúsculo 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
O Sol não surgiu hoje. Foi noite no dia, assim como foi noite em mim. A tarde findou-se com o cinza das horas de chuva. A noite que permaneceu em mim começou para as pessoas felizes. Passou a manhã, passou a tarde e houve espera. Não ouvi a voz de quem amo, nao recebi o sorriso de quem preciso, tampouco senti o carinho de que necessito. A espera é crepuscular. Minutos, horas, o dia. Agora é a vez dela, a musa, a noite. Com essa dama vem ainda mais o pesar das escolhas, dos desejos, das saudades. Coração em crepúsculo, vida em sombra, noite constante, madrugada a chorar. Quem se preocupa? Ora lá no fundo de mim mesma, num lugar ainda em formação, ouço o eco de minha pergunta que de mim zomba ironicamente. Quem se preocupa? E o eco responde: upa!

Não sei rezar 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Preciso muito de paciência,
pedir é em vão, 
mas com essa chuva que em mim habita, peço a Deus que me dê guarida.
Nossa Senhora a ela peço clemência,
na verdade só quero a tal paciência.
De dia e de noite só fico a pensar
como ando tão tola a acreditar.
Só creio naquilo que toco e que cheiro
então preciso esquecer por inteiro
daquilo que sonho e só meu travesseiro
conhece os desejos que sinto por inteiro.
Materialista, concreta, romântica avessa.
Se sinto o que faço? Me ponho às avessas? Se tento uma prece a Deus ou a um santo, de cara, esqueço, não posso pedir tanto.
Não sei fazer prece, tampouco oração,
no fundo o que peço vem do meu coração.

Sentido 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Sentido não é para ser explicado, impossível seria explicar os sentidos de estar com você. Assim, sentido é para ser experienciado. Sente-se de forma que toca, alegra e permite ensinar que estar com você é muito mais que sentir, pois é vivenciar sua presença de forma encantadoramente real.

A vida sob a ótica positiva 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
O dia amanheceu chuvoso. Um friozinho atípico destoa dos dias quentes de novembro. Todavia, a beleza está na forma como contemplamos o que está a nossa volta. Contemplo. Nada mais posso ver do que a alegria e a beleza ímpares da vida. 

Menino homem
(Por Claudia Vanessa Bergamini)
Menino, na sua voz encontro um rio de água mansa,
água que segue suavemente seu curso,
assim sem pressa, assim sem a ânsia de tantos...
Menino, em seus olhos vejo eras.
Eras de caminhos amenos, de caminhos tortos.
Que importa!
São as veredas pelas quais trilhou que fizeram de seus olhos eras tão sedutoras.
Menino, em sua boca vejo um paraíso.
Ousado, bronzeado, cheio de curvas que pedem para serem contornadas.
Menino, em tua mãos vejo histórias de tempos passados,
devaneio outras para tempos futuros.
Suas mãos revelam sua ternura,
às vezes, oculta no agir cotidiano do homem.
Do homem que se mostra por vezes severo,
sei que não é,
mas a situação assim exige.
No homem, vejo olhos de mar,
revolto, em ressaca, mas em mansidão também.
No homem, encontro voz grave, a qual me sustenta em tardes de aflição e noites de sedução.
Homem menino!
Menino homem!
Não sei se o destino me levará a você,
não sei se existe de fato ou se sonho.
Só sei do que vislumbro
e tudo converge a você!

Regras? 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

Se mulher, há de ser comportada. Melhor ainda se for alienada.
Se mulher, há de ser certinha. Melhor ainda se for cordeirinha.
Mas para além de cordeira, certa, alienada, comportada... Mulher tem que ser é muito ousada.
Ser atrevida, danada, decidida e sensual,
porque todos te cobram dentro da regra,
mas bom mesmo é sair do banal!


O homem e o bigode 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
O homem atrás do bigode é muito mais que um homem atrás do bigode.
O bigode é máscara que esconde os lábios, os traços. 
O bigode é acessório que oculta por vezes o sorriso.
Mas o homem por trás do bigode vai além.
Ele é feito de matéria humana e, como tal, vive a lutar consigo mesmo, com suas ideologias, suas idiossincrasias.
Ah! Como seria bom ser somente o homem do bigode...
que vive a sorrir, que vive a cantar, que vive a torcer pelo seu time, ainda que ele perca.
Seria bom ser o homem a dançar uma valsa vienense, a tocar um violino cheio de poesia, de versos dos quais emanam a doce alegria de ser.
No entanto, não se pode enganar, a vida é mais que valsa, é mais que som, é mais que poesia, é mais que a vida com bigode.
Há! Há! Há!
A vida é um fazer a cada dia, um fazer de si mesmo e do outro.
A vida é, pois, a busca por uma paz e por um caminho de luz e, se eles não vêm, então, administra-se a vida e, se necessário, usa-se o bigode.

Depois que sou tua 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

Instantes depois de ter me entregue a ti, sinto ainda tua presença em mim. É um momento em que algumas gotas de orvalho insistem em ficar, é um momento em que o corpo teima em serpentear em diafania por sobre os lençóis. As mãos ainda passeiam pela carne quente e trêmula em busca de reviver o ápice ainda tão vivaz. Não gosto quando foges assim como animal que precisa refugiar-se.... Não gosto quando foges deixando-me sozinha a sentir ainda o desejo em brasa. Depois que sou tua, quero poder vislumbrar meu dono, quero ainda cruzar nosso olhar e buscar no teu aquilo que o meu olhar denuncia.

Fêmea
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Começou a secar o cabelo, passava delicadamente a mão entre os fios, deles exalava um delicado perfume e ela podia sentir a maciez da raiz às pontas. Ao passo que sentia o calor do aparelho esquentar seu cabelo, começou a se lembrar da falta que lhe fazia sentir-se mulher. Lembrou-se da plenitude de outros tempos, dos desejos que ele lhe despertara, do corpo em brasa a serpentear-se na cama. Passava as mãos pelos fios de cabelo, mas neste momento, elas, atrevidamente, desciam por seu corpo. Primeiro passearam pelos seios rijos, tocavam com delicadeza naquela carne macia, enrijecidada pela volúpia que se espalhava pelo corpo. Em um segundo momento, ela sentiu que já não podia segurar o aparelho com que secava os cabelos. Deixou-o ligado, jogado ao chão. O som dele, por certo, abafaria os gemidos que ela mesma provocaria. Permitiu que suas mãos percorressem toda a extensão de seu corpo que era sarça ardente e pecaminosa. Suas mãos colheram o orvalho denso que há dias estava aguardando a colheita. Suas mãos foram à boca oferecer a ela de seu próprio sabor. Entre serpentear o corpo e deixar-se entregar ao momento, ela devaneou. Queria-o. Desejava-o. Tremia ao pensar no que um dia talvez viesse a acontecer. Aquela mulher, sozinha dentro de si mesma, sentiu o êxtase da entrega, sentiu o orvalho da alegria, sentiu o prazer de ser mulher.


Magia
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

No meio do caminho, o menino encontrou-a. Não sabia quem era, tampouco o que levava na cesta. Mas teve a certeza de que o vulto que vislumbrava era feito de mágica e encantamento. Curioso que era, o menino apressou o passo para chegar logo próximo àquela capa vermelha que o enfeitiçara. E quando se aproximou, constatou que estava diante de um ser tomado por magia e encantamento. Na cesta, a menina da capa vermelha levava todos os ingredientes necessários ao amor; nos olhos, todos necessários a enfeitiçar para sempre a quem eles mirasse.



O abraço
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Sei da minha necessidade de beijar, de trocar carícias, enfim, fazer amor. É uma necessidade que há muito me acompanha. Porém, nasceu em mim nos últimos dias um outro querer que tem se mostrado muito mais que necessário. Tem se revelado urgente. Preciso ser abraçada. Não me refiro àquele abraço sensual que em instantes se torna volúpia. Refiro-me ao tipo de abraço em que se deixa o corpo entregue à sensação de ternura que emana do outro. Ao abraço em que os corpos ficam colados, num estado de gratidão, sente-se o respirar, sente-se o ofegar e os corpos num movimento diáfano tornam-se cúmplices um do sentir do outro.



A chuva 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

O dia fez-se noite e uma vez mais a chuva veio visitar a cidade, levando a poeira ainda em formação. O viçoso das plantas e flores anunciam como a água é preciosa. 


Canção para ninar meu amor 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Dorme, dorme, menininho
teu sono eu vou velar. 
Dorme, dorme, homenzinho,
com carinho, vou te ninar.
Tua respiração eu ouço a distância,
calma, tranquila, mansa.
Com zelo, vou te sondar,
até teu sono de paz chegar.
Dorme, dorme, homem lindo,
que em teu rosto vou ver o mar,
vejo barcos mansamente indo,
e eu sonhando em te encontrar.
Na mansidão te deixei dormindo,
uma última vez mirei teu semblante,
agora me ponho aqui sorrindo,
vou dormir antes que o sol levante.
E nesse rosto de menino-homem-amante,
continuo meu devaneio,
Me ponho num sentir delirante,
um dia ao menos te quero por inteiro.
Dorme, dorme, meu amor,
sem pressa para acordar,
os dias serão sem dor,
agora chegou a vez de descansar.

Eu vejo 
(Por Claudia Vanessa Bergamini)
Nem mesmo a ruga que se forma entre as sobrancelhas no momento em que está tão concentrado no trabalho que realiza permite que se esfume de seus olhos toda a mansidão que eles me trazem, tampouco tira deles o brilho que é energia pura e a alegria que já há um tempo tem me enebriado.

Amor é loucura 
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Se a mente é dúvida, o corpo é brasa. Se a boca é dizer, o corpo é sentir. Se a vida são conjecturas, os momentos vão do compartilhar choros à plenitude. Se viver assim é loucura, minha vida, então, quero-a um grande manicômio.
Foto de Claudia Bergamini.


A mala 
(Por Claudia Vanessa Bergamini)
Arrumou a mala com todos os itens de que necessitaria. Porque ainda havia muito espaço, decidiu enchê-la com todo o desejo que dela emanava, junto a ele, colocou também suas fantasias e pensou como seria bom poder concretizá-las. Ficou repleta. Que pena! Talvez a chuva, talvez o frio, mas a mala voltou da viagem com todos os seus devaneios lá dentro. E eles ainda continuam a atormentá-la...

As conexões 
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Fronteiras existem, em que pese o fato de algumas serem violáveis ou até mesmo imperceptíveis ao sentir. A forma como lidamos com elas determina o tipo de conexão que desejamos ter com o outro. Há distinção entre poder realizar e querer realizar. A primeira forma se refere ao uso que fazemos dos instrumentos que temos em mãos para permitir que as fronteiras sejam,
de fato, violadas. A segunda maneira diz respeito à vontade de efetivamente transpô-las. Sei dos caminhos existentes para que as conexões tornam-se concretas, mas, com pesar, sei medir quando não se deseja conectar-se.

O véu 
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Cobria-lhe os olhos um véu fino, porém, tenaz. Decidida, ela se levantou do abismo e decidiu rasga-lo para que pudesse, enfim, desnudar além...


Microconto 
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Era manhã. Uma manhã sem dia, as luzes da rua ainda estavam acesas. Ela se foi. O cinza e o frio daquele dia-noite permaneceram para sempre em meu coração.


A cidade e a noite 
(por Claudia Vanessa Bergamini) 

Há um mistério que envolve as ruas da cidade à noite. Os espaços, tão cheios de vida ao longo do dia, ganham ares nostálgicos. As ruas, tão acobertadas pelos transeuntes que num frenesi cotidiano nem olham para as belezas que ela oferece, escondem sua magnitude, sua beleza e somente se apresentam como espaço de passagem. Todavia, à noite, a cidade é mistério... É a deusa que pede para ser despida e ter suas faces interpretadas. As luzes dão ares de romance a espaços tão insignificantes à luz do dia. A noite brinda os lugares com um tom sedutor e envolvente. E nós nos colocamos como amantes enebriados por espaços tão obscuros, porém que convidam a desvenda-los.
















Microconto
Microconto (por Claudia Vanessa Bergamini) Era manhã. Uma manhã sem dia, as luzes da rua ainda estavam acesas. Ela se foi. O cinza e o frio daquele dia-noite permaneceram para sempre em meu coração.











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