segunda-feira, 1 de junho de 2015

Crônicas


Enfim, só
(Por Cláudia Vanessa Bergamini)
Era uma manhã comum, daquelas em que se acorda, vai para o trabalho e se espera voltar no fim do dia e tudo estar em seu devido lugar. A rotina mantinha-se a mesma há muito tempo. Nenhuma novidade, nenhuma pedra no caminho, nenhum fato desviara Jorge de seu caminho. Estava sempre só. Falava com ele mesmo e, ainda que no decorrer do dia pudesse conversar com muitas pessoas em seu trabalho, era com ele mesmo que ele gostava de estar.
Nem tudo é como o percurso da água que corre para o rio, a qual, mesmo tendo seu curso desviado, dribla os artifícios humanos e volta à trilha que lhe foi tirada. E Jorge, olvidando esse basilar ensinamento, nunca suspeitou que algo pudesse lhe roubar o sossego, tampouco lhe viesse fazer falar, e falar muito.
A manhã corria tranquila, Jorge colocou-se diante de mais um cliente e o atendeu com toda sua dedicação. Quando já finalizava o atendimento, ouviu ao fundo da loja um comando de assalto. Seu coração sobressaltou-se, as mãos, de pronto, gelaram e a cor do rosto esvaiu-se. Silêncio! Ouvia-se apenas o som da respiração das pessoas que lá estavam e dos assaltantes que comandavam a cena.
Sem saber o que fazer, Jorge só sentiu que emanava de seu peito um desejo imenso de viver, gostaria de correr, gostaria de poder não viver aqueles momentos de eterna aflição. Agindo com ímpeto, Jorge começou um longo discurso dirigindo-se aos assaltantes. Não sabia direito o que dizia, mas ouviu emanar de si mesmo palavras de correção das quais saltava uma doçura corretiva que ninguém naquele ambiente conseguia compreender.
Sem entender o porquê de aquele homem falar tanto, os assaltantes decidiram que abortar o projeto era a melhor solução. Saíram dali intrigados, descrentes do que haviam feito. Jorge e as demais vítimas não acreditavam no fato ocorrido. As pessoas ao redor de Jorge perguntavam a ele como ele havia conseguido argumentar com tanta sabedoria a ponto de os bandidos desistirem do assalto.
Sem resposta, Jorge apenas baixou a cabeça e se lembrou de que um dia alguém, por meio do diálogo, permitiu que ele conduzisse sua vida de outra maneira, sem que as pessoas sentissem medo dele, como sentiam quando ele era um fora da lei. Depois de tantas palavras proferidas, Jorge voltou para casa como herói, mas com um desejo imenso de usar sua voz para promover a paz.





Quando some a inspiração...
(Por Claudia Vanessa Bergamini)


Escrevo todos os dias, amo escrever, mas, de repente, invadiu-me um estado de silêncio, um momento de estar sem palavras, sem assunto que não entendo de onde veio. Olho para flores à procura do perfume que sempre senti delas exalar; olho para o céu em busca das estrelas que enfeitam a noite e com insistência me faziam suspirar; teimosamente olho de novo para o céu à procura de extrair da lua a mais bela essência poética. Então, descubro-me dona de um vazio, dona de uma sensação de ausência, dona de uma dor calada e muito discreta. Onde estão os versos que brotam de mim? Para onde foram as palavras que saltavam de meus dedos rumando em direção à pena que estava sempre a trabalhar? Certa vez escrevi um poema no qual falei sobre o silêncio. Silêncio este que consiste no tempo necessário ao luto, no tempo necessário para as coisas do coração se acomodarem, no tempo necessário para que as flores voltem a crescer e exalar seu perfume.À época, estava eu diante de um tempo de silêncio, agora não, os tempos são outros. De barulho, de alegrias, de novidades... A mim me encantaria sentir-me como o viajante benjaminiano que, ao chegar de volta da viagem, muitas histórias tem para contar. O viajante que narra os episódios e envolve a todos que o rodeiam; o viajante que escolhe a dedo suas palavras para segurar sua plateia. Onde está esse viajante-narrador que outrora habitou em mim? Seu espaço continua presente em meu interior, mas dele só se extrai o silêncio, sem palavras, sem inspiração.

Nova semana
(Por Claudia Vanessa Bergamini)

Que neste restinho de domingo, o seu coração possa se alegrar, possa sentir que a semana que se inicia virá cheia de conquistas, mas também de batalhas a serem vencidas. Permita que cada dia possa ser vivido com alegria, com sangue nas veias e com uma vontade louca de viver mais e mais. Uma semana cheia de vitórias para você. 

Lembranças de Bethoven
(Por Claudia Vanessa Bergamini)


Para os gregos, nostalgia é um sentimento que se refere à ausência de alguém muito estimado, ou mesmo de um lugar do qual estamos distantes. Para os brasileiros, saudade é a palavra mais empregada para se referir à dor que invade a alma quando um vazio deixado por alguém não pode ser preenchido. Em geral, sentimos saudade ou nostalgia por pessoas, e muitos até criticam o fato de chorarmos quando perdemos, por exemplo, um bichinho de estimação. Nos últimos dias, senti em meu coração um pesar, um incômodo por saber que um cachorrinho muito querido havia morrido. Por poucas vezes estive com ele, mas me lembro bem de chegar à casa de minha tia e ele nos receber com latidos bem intencionados e pulinhos que significavam 'seja bem-vinda'. Em tempos que o amor tem se tornado cada vez mais escasso entre as pessoas, em que o querer-bem tem se esvaído de nosso meio, não vejo nenhum problema em alguém chorar a perda de um animalzinho, que por anos nos recebe com latidos, a demonstrar o quanto somos queridos. Estranho é não dizer que a ausência é falta, estranho é não reconhecer que somos feitos de sentimentos, os quais são para humanos, mas que muitas vezes se tornam mais visíveis nos animais. O luto é o tempo necessário para que a dor se acomode e o sorriso possa, novamente, encher de paz o coração. E tomara que logo o sorriso possa ser irradiado.

Opostos
(Por Claudia Vanessa Bergamini)
Vivo pensando em como as pessoas, cujas ideias sejam avessas a do outro, sentem-se atraídas. O velho ditado 'os postos se atraem' ainda continua sendo uma verdade. Amigos nem sempre trazem a essência que se procura na alma humana. O casamento nem sempre é sinal de que o outro seja a cara metade, disposta a compreender as dores, os anseios, ajudar a superar os fracassos e sorrir junto quando o momento assim permitir. É, verdadeiramente, os opostos se atraem, há um ímã naquilo que se desconhece, há um mistério em torno da mente cujas idiossincrasias são tão díspares às nossas. Opostos trazem o veneno, o doce veneno com o qual muitas vezes se deseja ferir. Opostos trazem as explanações com as quais muitas vezes não se deseja encontrar. Opostos são assim, simplesmente opostos que atraem e enfeitiçam, sem que se tenha ao menos tempo de entender.

Rosas...
(Por Claudia Vanessa Bergamini)
Delicadas, de uma delicadeza única, irreproduzível.
Perfumadas, de um perfume leve, encantador e tão sutil.
Aveludadas, de uma sensibilidade que encanta ao simples toque.
Cromáticas, de tons, às vezes, inexprimíveis e elevados.
Espinhosas, porque toda rosa, assim como os seres humanos, precisa se defender.
A beleza provoca a inveja, às vezes, até a maldade para a destruição.
Por isso, diante de tantas qualidades que as rosas têm, precisam de uma, ao menos, que seja negativa, mas que sirva como proteção, como abrigo daqueles que não conseguem extrair delas somente a singular beleza.

A luta pela expressão: a trajetória de um canto

A trajetória de um canto (Claudia Bergamini) A leitura de um cordel exige daquele que a realiza a percepção aguçada para engendr...