sexta-feira, 4 de maio de 2018

A luta pela expressão: a trajetória de um canto



A trajetória de um canto
(Claudia Bergamini)


A leitura de um cordel exige daquele que a realiza a percepção aguçada para engendrar sentidos ao assunto sobre o qual o cordel se desenvolve. Muito mais que uma poesia que germinou em meio à rica cultura nordestina, o cordel é gênero poético que contempla em seu bojo a hibridez entre oralidade e escritura. A construção rítmica permite ao leitor elevar o tom de voz e sentir a cadência das rimas e, concomitantemente, adentrar o universo semântico que permite ao cordel cumprir sua função social. 




Frente à leitura do cordel de Ronnaldo Andrade, intitulado ‘A luta pela expressão’, tem-se a possibilidade de conhecer dois universos. O primeiro refere-se à história do cordel e a força expressiva do gênero centenário. O segundo, e a construção desse universo é fruto do engenho e da arte de Andrade, é o labor com as palavras, a escolha exata para compor as rimas das sextilhas em esquema ABCABC, incutindo ao texto um dinâmico movimento de ação. Esses dois universos, observáveis em ‘A luta pela expressão’, mantiveram-me longe do axioma que separa a cultura popular da erudita, haja vista que me senti apenas próxima à poesia e esta é, pois, uma forma de construção literária. 




Agradeço ao poeta Ronnaldo Andrade pelo envio do cordel e lhe parabenizo pela dedicação à literatura. Finalizo com um saber, tomado de Patativa do Assaré, a alegria do matuto é saber mais do seu torrão e seu cotidiano que os sábios da civilização. Parabéns!   
 Claudia Bergamini









sábado, 6 de janeiro de 2018

Poemas e crônicas escritos para ele...



   

Embriagada



O corpo é coerente, é fogo, é forma...
O vinho é suave, é chama que deforma...
O sonho inebria, aquece e me devora...
Teu corpo é a taça com o vinho a escorrer.
Minha língua te toca para do teu gosto sorver.


Menino homem

(por Cláudia Bergamini)


Menino, na sua voz encontro um rio de água mansa,
água que segue suavemente seu curso,
assim sem pressa, assim sem a ânsia de tantos...

Menino, em seus olhos vejo eras.
Eras de caminhos amenos, de caminhos tortos.
Que importa!
São as veredas pelas quais trilhou que fizeram de seus olhos eras tão sedutoras.

Menino, em sua boca vejo um paraíso.
Ousado, bronzeado, cheio de curvas que pedem para serem contornadas.

Menino, em tua mãos vejo histórias de tempos passados, devaneio outras para tempos futuros.
Suas mãos revelam sua ternura,
às vezes, oculta no agir cotidiano do homem.

Do homem que se mostra por vezes severo,
sei que não é,
mas a situação assim exige.

No homem, vejo olhos de mar, revolto, em ressaca, mas em mansidão também.

No homem, encontro voz grave,
a qual me sustenta em tardes de aflição e noites de sedução.
Homem menino!






Canção para ninar meu amor 

(por Cláudia Bergamini)


Dorme, dorme, menininho
teu sono eu vou velar.
Dorme, dorme, homenzinho,
com carinho, vou te ninar.

Tua respiração eu ouço a distância,
calma, tranquila, mansa.
Com zelo, vou te sondar,
até teu sono de paz chegar.

Dorme, dorme, homem lindo,
que em teu rosto vou ver o mar,
vejo barcos mansamente indo,
e eu sonhando em te encontrar.

Na mansidão te deixei dormindo,
uma última vez mirei teu semblante,
agora me ponho aqui sorrindo,
vou dormir antes que o sol levante.

E nesse rosto de menino-homem-amante,
continuo meu devaneio,
Me ponho num sentir delirante,
um dia ao menos te quero por inteiro.

Dorme, dorme, meu amor,
sem pressa para acordar,
os dias serão sem dor,
agora chegou a vez de descansar.





O homem e o bigode

(por Cláudia Bergamini)


O homem atrás do bigode
é muito mais que um homem atrás do bigode.
O bigode é máscara que esconde os lábios, os traços.
O bigode é acessório que oculta por vezes o sorriso.

Mas o homem por trás do bigode vai além.
Ele é feito de matéria humana e, como tal,
vive a lutar consigo mesmo,
com suas ideologias, suas idiossincrasias.

Ah! Como seria bom ser somente o homem do bigode...
Que vive a sorrir, que vive a cantar, que vive a torcer pelo seu time, ainda que ele perca.

Seria bom ser o homem a dançar uma valsa vienense, a tocar um violino cheio de poesia,
de versos dos quais emanam a doce alegria de ser.

No entanto, não se pode enganar,
a vida é mais que valsa,
é mais que som,
é mais que poesia,
é mais que a vida com bigode.

Há! Há! Há!
A vida é um fazer a cada dia,
um fazer de si mesmo e do outro.

A vida é, pois, a busca por uma paz
e por um caminho de luz e, se eles não vêm,
então, administra-se a vida e, se necessário, usa-se o bigode.


         


Ainda



Não fuja assim tão depressa, fique comigo um pouco mais, 
ainda restam sensações que não param de chegar. 
Ainda brotam gotas de orvalho que insistem em não parar. 
O perfume do ambiente ainda está no ar.







quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Coluna Nossa Crônica - Jornal NOSSODIA




Conto contemporâneo
(por Cláudia Bergamini) 
Publicada na edição de 04 de janeiro de 2018.



Era um tipo incomum, daqueles que não passam despercebidos em nenhum lugar. Não que não quisesse, por força de sua natureza, chamar a atenção, mas mesmo quando se punha calado, na dele como dizem por aí, os olhares a ele se voltavam. Levava os cabelos quase abaixo da cintura, naturais, apertados vez em quando para que as trancinhas ficassem firmes, tinham um perfume perturbadoramente envolvente. Nas mãos usava anéis, um deles era sinônimo do compromisso que assumira antes com uma pessoa. Todavia, tenho lá minhas dúvidas se anel é mesmo sinônimo de compromisso, porque já vi algumas pessoas usarem tal objeto igual se usa a cueca, a calça ou a camisa. Está lá o anel, marcando um compromisso como se delimita uma propriedade para que o outro possa dizer: ‘tem dono’. Mas o tipo de que falo era interessante, exótico com o cabelo a balançar quando ele se movimentava, a fala era de uma eloquência apavorante, decifrava o que via e o que nem imagina existir, eu diria que ele só não acertou na loteria, no mais, seus olhos sempre viram além, aliás os olhos eram redondos, como a lua em noite de lua cheia. Um dia, uma moça meio ingênua para as coisas do coração se apaixonou pelo tal tipo. Era uma moça bem esperta, mas quando o assunto envolvia amor, tornava-se boba demais para pressentir o perigo iminente em que se envolvia. Por longos quatro meses, o amor dos dois era algodão doce em festa de quermesse, sonho recheado com goiabada, bolo confeitado com chantilly. Amar, verbo intransitivo na visão daquele homem exótico, porque amor, para ele, envolvia apenas ele e nenhuma outra pessoa com quem brincava de amar, tornou-se para ele um pesadelo. A moça, ainda que tola, tinha seus momentos de esperteza, demorou muito, mas ela, cheia de vontade de concretizar os planos que os dois sonharam juntos, foi em busca de tornar real o combinado nos devaneios dos momentos íntimos. E aí que nosso exótico personagem mostrou de fato que o amor pela moça era apenas brincadeira de gente que não sabe amar. Ela se tornou lágrimas e dor. Uma dor tão doída que o choro dela, constante, uníssono, melancólico, lembrava o canto noturno do urutau, bruxuleante, triste que mais parece lamento humano. O homem não sabia amar, em seu redor havia friezas e inverdades... Ele não toma como verdadeira essa história, do alto de onde está, vive apenas o seu mundinho. Pediu desculpas à moça, dizem por aí. Mas desculpa traz de volta o sorriso? Apaga a dor? Faz uma pessoa voltar a acreditar? Mesmo sem amor, todos os dias se encontravam, cheios de dor, a moça passou noites e noites a voar sem rumo, chorando a perda de seu grande amor, depois virou árvore seca, ludibriada que foi pela eloquência daquele homem, até que, um dia, ela acordou pássaro que voa longe da dor e do choro.


Hora de pôr na balança
(por Cláudia  Bergamini)
Publicada na edição de 28 de dezembro de 2017.

Vamos caminhando para o final de mais um ano. Momento em que, querendo ou não, colocamos na balança tudo o que vivemos, tudo o que perdemos, tudo o que sofremos, tudo o que nos fez alegrar-se, mas não colocamos os quilinhos que engordamos, porque, para isso, melhor deixar a balança de lado. A verdade é que, no final do ano, é hora de analisar as estatísticas e mais uma vez começarmos o processo dialético que é a vida. Janeiro é tempo de euforia, férias, replanejamentos, até chegarem os presentinhos indesejados com vários is: IPVA, IPTU, IR. Em fevereiro a gente fica mais alegrinho, Carnaval, cegos que somos e ansiosos por festejar, deixamos a euforia falar mais alto e brindamos ao prazer de comemorar. Março é tempo de reflexão, promessas, abdicação, até chegar abril e, com ele, a Páscoa, momento de celebrar a vida. Maio e junho são encantadores, Dias das Mães e Dias dos Namorados são mel e poesia para o coração daquele que está meio descontentinho, que ainda pode dançar a quadrilha e esquecer as danças justas da vida. Julho, outra euforia, férias, ao menos escolares, para aquecer o mês que costuma ser bem geladinho. Agosto é época mais tensa, estiagem, momento de fechar a mão a fim de não ficar endividado ou pagar as contas para sobrar para o final do ano que parece já dar o ar da graça. Setembro e outubro são leves, feriados à vista, tempo de tirar o mofo deixado pelo inverno e permitir que o sol renove nossas energias. Novembro, quantos planos! Além dos feriados que fazem a gente ganhar fôlego para o restinho de ano. Dezembro é agito, prepara ceia aqui, confraterniza acolá, entrega um presente para fulano, outro para cicrano e, de repente, estamos brindando com Chandon ou Cereser, mas o importante é brindar, celebrar a vida e planejar sempre. Os planos, concretizados ou não, nos permitem acreditar na renovação, acreditar que tudo pode ser igual se foi bom, mas sobretudo, que pode ser diferente e muito melhor. Feliz Ano Novo!!!

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Urgência





Viajar é viajar em mim
(Por Cláudia Bergamini)

Iniciei, há pouco mais de uma semana, uma viagem. Permiti-me fechar os olhos para tudo o que fazia parte de meu universo e abri-los para o universo do outro. Mergulhei fundo para conhecer histórias, para desbravar vidas e, à medida que viajava, senti-me pequena frente a tudo o que se colocava diante de mim. O mundo é grande, ainda que caiba na janela do nosso olhar, mas os detalhes que constituem a grandiosidade do mundo só podem ser percebidos se os olhos se abrirem como janelas frente a ele. Há culturas para serem conhecidas. Há rincões os quais podem os pés tocar. Há vozes a serem ouvidas, braços aguardando o abraço. Há vida à espera de vida, conhecimento a ser transmitido e muito ainda a ser ensinado. Comecei uma viagem há pouco mais de uma semana. Se meus pés tocaram solo novo; os ouvidos ouviram novas histórias; minha boca provou novos paladares; meu nariz, novas fragrâncias, isso não muda minha existência. O que me faz outra depois dessa viagem é o fato de me permitir iniciar a mais bela viagem, a viagem do homem sobre si, seu interior, sua essência. Como me ensinou magnificamente o escritor moçambicano, Mia Couto, não são por meio das distâncias que as viagens se constituem; mas sim pelas distâncias percorridas dentro de nós. 


Ponto difícil de colocar 
(Por Cláudia Bergamini)


Terminei um livro esses dias. Muito boa a sensação de conhecer outras vidas, dramas, alegrias, conflitos humanos que soam bem próximos à realidade e nos levam à deliciosa viagem de conviver com o personagem, refletir sobre o que se passa com ele, sentir-se no lugar dele, chorar, resmungar, gargalhar. Enfim, ler é buscar , na ficção, colocar-se no lugar do outro, aliás, atitude rara de se encontrar. Ao chegar ao final do livro, duas sensações me tomam: a de pesar, porque as vidas com as quais convivi ganharam um ponto final; a de satisfação, pois a ficção parece sempre ser capaz de escolher para o personagem o melhor fim. É neste momento do 'the end' que fico horas e horas desejando que os pontos finais fossem mais sólidos quando se trata da vida real. As pessoas de carne e osso, personagens do cotidiano nosso de todo dia, não tendem a aceitar com pesar ou satisfação o ponto final. Basta parar um pouquinho e ver como há relacionamentos que se estendem por anos, afogados e afogando quem não aceita saltar do barco antes que ele naufrague de vez. Relacionamentos não são contratos comerciais que se rompem de modo simplório, embora eles tenham lá suas formalidades. Se a boca já não anseia pela outra, se o corpo mantém-se inerte ao toque, as palavras já não dão manutenção ao contrato que os olhos antes asseguravam, o que fazer? Passar as horas lamentando não ser mais o melhor amigo, a musa ou o homem dos sonhos? Não sei se a resposta pode ser tão objetiva como o são os finais dos livros. Porém, penso que ela pode existir e ser uma resposta coerente, que vise ao bem-estar das pessoas envolvidas na trama real. Amor é estado de graça, ofertado de graça e, se não for assim, não tem graça. 


Inundação 
(Por Claudia Bergamini)


O início da semana foi regado por água e mais água. Que bom! A água simboliza a vida, a fertilidade e a certeza do florescer. Aliada à água, também marcou o início da semana a reflexão sobre a vida e a morte, suscitada nas questões da prova do vestibular da Universidade Estadual de Londrina. Não sei se providencial ou apenas coincidência, mas a semana de fato esteve envolta em vida e morte. A chuva foi intensa, destruição em alguns pontos e vida em outros, porque a chuva faz brotar árvores, germinar a semente, desabrochar a flor. Hoje é finados. Dia em que, querendo ou não, ao menos um minuto é dedicado às pessoas que finalizaram o ciclo da vida. Não me nego a aceitar a perda de pessoas que amo. No entanto, impossível negar a permanência da vida após a morte. Lembranças são o instrumento que traz vivacidade aos que se foram. Objetos, aromas, lugares, sabores, músicas... Justamente a lembrança inerente ao homem é quem acarreta sofrimento. A consciência de saber que a saudade é o que resta e a mesma consciência converge todo dia para a impossibilidade de mudar a realidade. A chuva inundou ruas, transbordou o lago. A saudade inunda o peito, faz os olhos se perderem em meio às lágrimas. Ir ou não cemitério é apenas um detalhe, porque saudade é inundação que nos toma em qualquer lugar. 

No creo en brujas, pero que ellas hay, hay...
(Por Claudia Bergamini)

Não vi ainda nenhuma bruxa. Pelo menos não daquelas que usam uma roupa preta, unhas enormes com mãos deformadas e uma verruga na ponta do nariz. Nunca ouvi aquela risada estridente e jocosa que faz arrepiar a pele e tremer as pernas de medo. Bruxas assim habitam o imaginário infantil! Habitam o tempo em que a vida se faz poesia a cada dia, em que esperamos das palavras e das pessoas muito mais do que elas são, em que inauguramos a imaginação a cada manhã, sempre à mercê de um grande acontecimento. Nunca vi bruxas. Porém, eu sei, elas andam por aí, à solta, passam às vezes tão despercebidas que nem nos damos conta de que vêm a qualquer momento nos tirar a paz e o sossego. Não as odeio, tampouco sinto medo, mas não posso dizer que devoto a elas o mais nobre dos sentimentos. Quero apenas a distância. Que fiquem em seus mundos com suas homilias longas e cheias de  razão. De meu sossego cuido eu, não as bruxas. Estas desde muito me tiraram a paz, mas se digo faço, ah, eu faço. Quem não me conhece duvida. Mas quem por mim já passou sabe bem de que falo. E faço! Então, não creio em bruxas, ainda que saiba que elas existem, mas bem longe de mim!

Diz que eu fui por aí
(Por Claudia Bergamini)


Se alguém perguntar por mim, diz que eu fui por aí... que delícia ouvir essa frase na voz do saudoso Luiz Melodia. Penso que, algumas vezes, seria mais gostoso ainda se a gente pudesse sair por aí. Andar sem ter de olhar no relógio, cumprir as rotinas que a vida impõe. Não levaria violão, porque não toco, mas levaria muitas folhas  em branco e nelas colocaria os versos que não tenho tempo de escrever, terminaria os contos começados e deixados por falta de tempo. As Marianas que esperam ter suas vidas direcionadas pelas mãos do narrador;  Carlos Lemos que aguarda um momento de encontrar Fernanda. Ah!!! Digam que eu fui por aí, levando comigo as folhas que voltarão repletas de histórias, digam que a madrugada não me encontrará mais dormindo e dormindo... A noite voltará a ser minha musa inspiradora de versos ardentes, de alegrias contidas, de tristezas escondidas e de vontades proibidas. Se você deseja sair por aí, vamos combinar e fugir juntos. Tomar aquela cerveja gelada; dar uma boa gargalhada; torcer pro time ganhar; brindar a vida livre, sem relógio; sem protocolo, reunião, rotina... Vamos sair por aí até a saudade apertar e o coração pedir pra voltar, porque os sonhos são momentos doces de ilusão, mas o que de fato nos faz homens é a vida, vivida dia após dia, rotina sempre em construção. 


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Lançamento do livro A moça que olha pela janela e outras crônicas publicadas no Jornal NOSSODIA


A Moça Que Olha Pela Janela, da Acadêmica da ALB-Suíça Claudia Bergamini é uma coleção de deliciosas crônicas publicadas em um dos Jornais da cidade de Londrina, o Jornal Nosso Dia



Há pouco menos de um ano, recebi do editor do Jornal Nosso Dia, Thiago Mossini, o convite para manter uma coluna de crônicas no jornal, com publicação às segundas e quintas-feiras. Desde 25 de julho de 2017 mantenho a coluna Nossa Crônica. Em abril, por conta das comemorações do aniversário do jornal, o editor me propôs a organização das crônicas publicadas no periódico em livro. Como a resposta tem sido bastante positiva da parte dos leitores, aceitei com alegria o convite, fiz a seleção de crônicas e inseri outras ainda inéditas que deverão ser publicadas ao longo de julho no jornal.




A crônica, embora possa parecer simples, é um dos gêneros  mais anfíbios, usando o termo do crítico Arrigucci Junior, professor e pesquisador da USP, uma vez que nasce da matéria banal, cotidiana e vai para o jornal, espaço que a acolhe desde o século XIX, veículo que também é cotidiano e, em geral, o que nele circula é efêmero. Assim,  ao transferir para o livro a crônica, tem-se duas relações, a primeira de permitir que o texto que trata de fatos miúdos seja imortalizado em livro; a segunda de permitir ao leitor que tenha em mãos, de forma sistematizada, o texto que lhe agradou, já que o jornal de hoje tende amanhã a ir para o lixo. 

Vendas pela Editora Ceos ceoseditora@gmail.com

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Rabiscos em prosa



O candelabro 
(Por Cláudia Bergamini)




A moça colocou na mesa o candelabro. As sete velas foram acesas. A chama da haste central brilhava imponente com mais intensidade que as demais. Não conhecia a mulher todo o percurso histórico e significado que havia por detrás daquele objeto de ouro com braços luminosos. Menorá nunca foi apenas candelabro: era proteção, aliança. Sentou-se ao redor da mesa juntamente com o casal de filhos. Queria iluminar o ambiente que estava tomado pela noite e somente teria luz quando o dia amanhecesse. Eram tempos difíceis. Todo mês tinha de escolher qual conta iria pagar e qual serviço seria posto em segundo plano. Evitou ao máximo a escuridão; aquele mês, porém, foi impossível quitar o débito com a companhia de luz. 
O candelabro havia sido presente de uma família judia para a qual a mulher trabalhou há muito tempo. Peça bonita, dourada, feita, aos olhos da moça,  de latão, com seis hastes que se erguiam nas laterais, abrindo-se levemente, e uma haste central, da qual emanava a mais forte chama. Os três tomavam uma sopa rala, repartiam nacos de pão para molhar com o caldo e levar à boca. Chorava por dentro a jovem mãe, a lamentar o futuro incerto, o passado de tormentos, o pouco que oferecia aos filhos. As crianças riam a risada inocente da infância. Divertiam-se com o jogo de cores da chama das velas. Elogiavam o sabor da sopa e levavam a colher à boca como quem prova um manjar raro. 
De repente, um vento gelado invadiu o ambiente. Um calafrio percorreu o corpo da mulher. A cortina na janela diante da mesa agitou-se e uma chama se estendeu sobre o tecido. Em instantes, outros objetos estavam queimando. O móvel que sustentava a pia estalava, as portinholas e gavetas iam se desfazendo. Inerte, segurando os filhos entre as pernas, a mulher chorava um choro seco, tranquilizava as crianças, mas não tinha reação para sair dali. No fundo, pensou ela, é hora de cessar os tormentos, a solidão, as carestias, vamos morrer juntos, os três, devorados pelas chamas. Não tardou para que a pequena casa fosse dominada pelo fogo. O socorro veio a galope, chamado por vizinhos. 
Quando entraram na casa, os bombeiros encontraram os três caídos, abraçados, ao lado deles estava o candelabro, intacto com as chamas fracas, mas acesas, embora a água lançada de fora já tivesse apagado a maior parte do fogo. Não havia marcas de queimaduras nos corpos, nem tosse que indicasse a contaminação dos pulmões pela fumaça. O candelabro não estava danificado pela alta temperatura. Um dos bombeiros tomou o pulso da família. Todos vivos. Sem acreditar no que constatavam, tiraram de lá os três e os conduziram ao hospital. 
Ao amanhecer, qualquer um que passasse pela casa via apenas ruínas, mas a moça e o casal de filhos foram poupados. Proteção é gratuita, não se compra, não se empresta, apenas se recebe.






Mariana era ainda menina quando conheceu amargos sabores. Mal teve tempo de crescer e já virou adulta. Nunca gostou da frase tão comumente dita: 'O que vai ser quando crescer?' Ela pensava toda vez que a ouvia 'serei eu, com meus medos, sonhos e projetos!' Havia sonhos! Ah... quantos sonhos povoavam a mente da menina-mulher. Projetos eram em menor número; todavia ser feliz fosse talvez algo a que ela muito almejava. Não sabia ainda que felicidade era como nuvem, no instante em que se faz, dissipa-se.
O tempo, que é inimigo da perfeição e devorador das horas, era também inimigo de Mariana. A pressa habitava aquele ser cheio de uma vida a ser vivida e, ao mesmo tempo, carregado de nuvens negras e densas, como que anunciando tempestades.
Passou anos e anos debruçada sobre tarefas tantas que envolviam a maternidade, o lar e o ler. Leu! Leu como uma devoradora de palavras histórias e histórias e, ao passo que lia, entendia um pouco como a vida funcionava. Mariana cresceu mais em saber que em viver. Tornou-se forte, e disso ninguém duvidava, construiu grandes possibilidades a ela e aos seus. Mas era só que ela vivia. Podia entender tudo, menos a lacuna que havia em si. À noite, as lacunas eram ainda mais acentuadas. Não havia um lugar dentro dela em que ela pudesse estar para arar o dia e preparar o amanhã como quem prepara a terra fértil para a seara. Não havia nela um lugar em que a mente pudesse descansar e se desligar da infinitude de pensar que a tomava.
Mariana chorava com facilidade. Não raras vezes engolia as lágrimas e se voltava à outra atividade. Ledo engano! Estar ela com ela era sinônimo de chorar. Poucas foram as tentativas que fez em busca de tornar seu sorriso, o qual se fazia intenso a todos, um sorriso intenso a ela. Conhecia suas razões, seus medos e começou a pensar a vida como uma lacuna apenas. Passos mal dados. Escolhas desacertadas. Vontades nunca concretizadas.
Conheci Mariana numa tarde de muito frescor. Vi nela a beleza da vida, a luz especial que inebria. Percebi-a como terra fértil que está pronta para parir um mundo de ideias. No entanto, Mariana não se via assim. Era apenas Mariana. Menina que carece de colo; mulher que deseja ser amada; ser humano que carece de aprender a viver. Poucas vezes estive com ela, queria-a para mim. Tomá-la em meus braços e dar a ela os instantes de nuvem de algodão de que tanto precisava. Ela, pássaro acorrentado, ainda que em liberdade, afugentou-me. Hoje busco respostas para entender se seria capaz de amá-la ou apenas de entendê-la. Quisera eu ser o dono de uma varinha mágica e dar à Mariana o calor que merece, o cuidado que deseja, o carinho que lhe falta e a nuvem de algodão cheia de felicidade, sem se dissipar como num passe de mágica.



O casarão
(Por Claudia Bergamini)





Deu sinal ao taxista que parasse o carro no número 595. Ele assim fez. Janete ficou um tempo dentro do carro, contemplando a bela edificação diante de seus olhos. Havia portas de madeira com arcos que davam para a avenida principal. Em madeira colonial, o apagamento do brilho denunciava a falta de trato com as sofisticadas portas. O jardim estava tomado por tiririca. Os cravos e minibeijos de todas as cores resumiram-se em mato. O cedro azul ainda estava lá. Suas raízes profundas mantiveram-no vivo em meio à morbidez do palacete. Janete abriu a porta do carro e saltou, pedindo que o taxista a aguardasse. Seus olhos percorreram a calçada onde formigas trilhavam com folhas e flores nas costas rumo ao interior da casa. Lembrou-se, naquele momento, da casa de Úrsula em Macondo. Que tristeza! Ver em ruínas o lugar onde vivera por mais de meio século. Ali, sozinha e desolada, Janete abriu o portão. O cadeado enferrujado não exigiu muito esforço. Foi devagarinho se aproximando da porta principal. Entre a ansiedade e a saudade, havia o medo. Colocou a chave e girou a maçaneta. Vazio, apenas o vazio havia no salão onde outrora imperavam as damas da sociedade com seus pares. A mesa em travertino com cadeiras de carvalho não estava mais lá. Mas ela se lembrou dos vinte lugares sempre ocupados. Lembrou-se da porcelana francesa em que servia os pratos mais sofisticados da época. Seus olhos vislumbravam o sofá em que ela e Gerson, ao final de cada recepção, entregavam-se exaustos. O marido, sempre sedutor, amava-lhe com devoção. Seu corpo sentiu o toque seguro das mãos dele, na boca veio o gosto do beijo que descia para o pescoço até chegar aos seios. Janete arrepiou-se. Tentou não pensar nos calores do passado, afinal já tinha 72 anos e agora a idade exigia outros pensamentos. Outros? Que nada, pensou ela. Era mulher, estava ali sentindo e para o sentir não há idade. Em diafania viu Gerson aproximar-se. Continuar a enredá-la naquela trama sinuosa e caliente. Sentia suas mãos passeando por cada parte do corpo esguio e de pele macia. Um gemido saiu da boca de Janete. Ela levou a mão à boca como se quisesse sufocar o que nela sempre viveu. Caminhou até a cozinha, tentando amenizar o calor que lhe tomava. Os olhos podiam ver o movimento dos funcionários, ouvir a cozinheira ralhando com as crianças que queriam os doces antes da hora. Dois filhos teve o casal. E agora, ela estava só. Um aperto lhe veio ao coração e um nó à garganta. Como pôde o destino ser tão cruel? Como pôde Deus tirá-la de forma trágica do convívio das três pessoas a quem ela mais amava. No silêncio do casarão, Janete chorou. Suas lágrimas eram pelo que viveu, eram por tudo o que faltou viver e, sobretudo, pelas sensações e emoções que jamais poderia sentir. Não quis ir até os quartos, tampouco se dirigiu ao quintal. O que vira era destruição, era um lar sendo habitado por formigas e suas folhas. Chorou um choro amargo, triste. Em pouco mais de meia hora ela reviveu instantes únicos de sua vida. O momento era, pois, outro. Voltar à casa dos parentes com quem vivia e se render ao sabor acre dos dias. Trancou a porta. Dirigiu-se ao portão, fechou o cadeado enferrujado. Olhou uma vez mais para o palecete. Decidida, concluiu, hora de vendê-lo. A água não passa pelo mesmo lugar por mais de uma vez e para sentir o que sentiu no palecete ela não precisava estar lá. Gerson vivia nela, assim como os filhos. O passado ela não conseguia ser. Porém, o presente seria por ela vivido, haverá um virar de página, haverá uma nova história que começou no instante em que ela entrou no táxi.  


Novo fôlego para o amanhã
(Por Cláudia Vanessa Bergamini)




Quando Gilda passou pelo salão, sentiu um arrepio na pele ao olhar seu rosto no espelho que cobria parte da parede defronte ao aparador. A mesa imensa ainda estava arrumada, pronta para receber os dezoito convidados que, às pressas, foram avisados de que o jantar havia sido cancelado. Gilda não podia compreender como tudo sucedera.
Desde que recebera a notícia, repassou em sua mente cada movimento vivido ao lado dele. Lembrou-se das tardes em que o calor dos corpos ultrapassara barreiras intransponíveis, e a doçura das palavras caminhava para além de simples versos e chegava até ela pelo olhar vibrante de seu companheiro. Caminhou lentamente por entre as cadeiras dispostas junto à grande mesa. Havia escolhido cada detalhe daquele evento. Os talheres Christofle haviam sido trazidos da França em sua última vigem e ela não usara, aguardando aquele momento. As louças de porcelana da Haviland davam à mesa requinte e convidavam a sentar-se e saborear o prato que ela havia escolhido com esmero, mignon a bourguignon.
A mulher estava meio atônita. Não conseguia pensar direito, tampouco havia digerido a notícia que recebera minutos antes do horário em que os convidados deveriam chegar. O cancelamento fora feito às pressas pelo mordomo que, com uma desculpa qualquer, dispensou as dezesseis pessoas com quem Gilda e Bartolomeu dividiriam algumas horas de alegria, regadas a Don Diego Escolano, safra de 2014. A cada mirada aos móveis do salão e à mesa posta, Gilda sentia suas mãos frias, seu rosto empalidecer, seu coração apertado. Bartolomeu não poderia ter agido daquela maneira. A mulher fechou os olhos, uma lágrima rolou e junto dela tantas outras. O filme começara. Nele ela só rememorava cada palavra que a fez construir um universo tão deles que parecia ser único e incapaz de ser desmantelado. Gilda se lembrou dos planos, de cada proposta, de cada palavra, de cada instante. Pensou ela no sabor doce de tantos momentos em que Bartolomeu a fez sentir-se única, e como ela nisso acreditou. Eram um, eram unidos, eram dois corpos no universo entregues ao prazer de amar, de estar um com o outro, de devotarem-se em função de uma história que se fazia grande a cada dia. De fato se fazia, pensou Gilda, mas só para ela.
Enquanto ela devaneava com as frases lidas, as palavas ouvidas e as sensações despertadas, ele repetia cada palavra a outra mulher. Gilda chorou. Um choro amargo saía dos olhos dela. As lágrimas eram fel que escorriam do rosto e desciam até a boca, misturando-se à saliva cheia de sódio. Amargo era o gosto, amarga era a vida. Caminhou até a porta. O carro não estava mais lá. Ele havia saído sem nada dizer. Também, pensou ela, de que valem as palavras quando o vento é tão forte que as leva, de que valem as respostas quando vêm tão tardiamente, de que valem as desculpas quando o mal já rasgou o véu que encobria o bem. Gilda precisava respirar. Naquele momento as mãos estavam vazias, pendiam no ar como panos estendidos no varal a voar solitários ao vento. Era um tempo de perder-se em portos distantes, em taças tomadas às escondidas, em caminhos errantes.
A mulher parou diante da mesa posta e a contemplou. A vida, mais uma vez pensou, é mesmo um fel; no entanto, trilhar por ela exige saber driblar a espada que, dia a dia, é colocada em meu peito. Bartolomeu nunca a amara, constatou. O amor dito soa tão lindo, mas as ações, quando se está frente a frente com alguém, é que determinam o amor. Bartolomeu determinou o quanto ela nada era para ele. Gilda caminhou por todo o salão. Ao caminhar prestava atenção em cada objeto e detinha-se, com cuidado, em detalhes. Seus olhos estavam, de fato, perdidos em um tempo em que a estrada não era sombria.
Voltou-se à garrafa e tornou a encher sua taça. De um só gole sentiu o vinho invadir-lhe o sangue, a face alva tornou-se enrubescida e levemente aquecida pela bebida. Forte e dona de si, veio-lhe à mente que de costas voltadas jamais poderia ver o futuro. Os venenos que abraçara poderiam ser cálices de licor. Viu em Bartolomeu a casa deserta onde palavras não poderiam entrar. Viu nela o alvo em que setas bem disparadas saberiam onde atingir. Bebeu de uma só vez o restante da garrafa. Secou os olhos. Elevou a postura do corpo. Tocou a campainha e deu ordens ao mordomo que retirasse a mesa e colocasse nela as flores tão costumeiras que davam vivacidade ao ambiente. Olhou no espelho e contemplou seu rosto tão amarelecido pelos últimos acontecimentos. Passou o batom escarlate de que mais gostava. Sorriu um sorriso débil. Disse a si em pensamento que havia aprendido da vida em goles pequenos, mas o que aprendera seria o suficiente para erguer um novo castelo, no qual estariam contempladas faces outras, tão diferentes da face de Bartolomeu.
Gilda poderia passar a noite a lamentar-se, mas não...Optou em ir para o quarto, tirar tudo de Bartolomeu de lá, colocar no corredor. Lentamente despiu-se, deixando ao chão o vestido Lanvin e a lingerie de seda. Na cama, estendeu seu corpo com delicadeza. Tomou suas mãos e deixou-as passear por todo o continente. Entre uma parte e outra ela sentia um misto de ousadia e prazer. Aquela mulher, entregue a si, rendida aos seus devaneios, não pensou em Bartolomeu, tampouco na dor e no ódio que a tomava. Gilda somente pensou que a vida carecia de ar. Precisava ela respirar. Respirou e suspirou diante do que ela mesma provocou. Sozinha, governante de si, ela dormiu.
A manhã logo romperia e um novo dia se construiria e, junto a ele, novas oportunidades. Forte, veemente, decidida, sorriu e pensou no amanhã. Não derramaria mais uma lágrima sequer por ele. Nunca, nunca mais!



O jantar
(Por Cláudia Vanessa Bergamini)




Ela chegou ao restaurante e se sentou solitária em uma mesa no centro do salão. Usava um vestido vermelho, sandálias pretas, uma delicada bolsa preta de mão em couro. Os cabelos escuros contavam com uma parte presa por uma presilha de pérolas, compondo um harmonioso conjunto com o colar e os brincos também de pérolas. A boca era carmim, os olhos maquiados e bem contornados. A bochecha trazia um toque leve de um rubor provocado pelo blush.
O seu semblante era cansado. Os olhos denunciavam lágrimas insistentes; porém, aqueles olhos tinham um brilho que lhes era peculiar. As mãos de unhas escarlates eram delicadas e macias e, ao olhar para elas, a mulher se lembrava há quanto tempo não sentia a segurança de outra mão na sua. Escolheu um prato leve, pediu vinho e não brindou, embora tenha levantado discretamente a taça para desejar a si mesma dias em que ela pudesse se sentir um ser humano melhor.
Ao passo que degustava o sabor do prato, sentiu-se observada. À sua esquerda, um solitário cavalheiro admirava-a com atenção. Ela se incomodou, sua privacidade fora invadida, mas ao mesmo tempo, um sentimento de alegria lhe tomou, porque gostou de saber que estava sendo observada.
Findado o jantar, fez menção ao garçom, pois desejava escolher uma sobremesa. Neste momento, o garçom lhe informou que haviam escolhido uma para ela. E trouxe então à mesa sem mencionar quem fora. Ainda que ela deduzisse ter sido o cavalheiro solitário, nada perguntou ao garçom; porém não recusou o doce que ele colocava à sua frente. O garçom entregou-lhe um pequeno bilhete, no qual ela leu: "Poucas são as pessoas de presença tão marcante como a sua. Me ligue, ansioso." O bilhete trazia um número e a assinatura com o nome. Ao olhar para a mesa onde estava o cavalheiro, ele já se levantara, olhou para ela e deu um sorriso discreto e carinhoso.
Passou por detrás de sua mesa e tocou-lhe levemente o ombro. A mulher sequer provou da sobremesa, ficou ali a pensar e a imaginar quem seria aquele homem. Olhou tantas vezes ainda para o celular, há horas que aguardava a mensagem de quem de fato era o dono de seu coração, recebê-la era para ela tão caro. Mas não veio. Guardou em sua bolsa o pequeno bilhete e voltou para casa ainda mais sem rumo do que antes.
Naquela noite, não pôde dormir. A vida estava lhe apresentando talvez uma oportunidade de ter alguém que pudesse seguir ao seu lado. Lembrou-se das horas de espera pela mensagem, lembrou-se das noites em que solitária desejou o calor do outro ao seu lado, lembrou ainda do que havia em seu coração e isso pesou demais, porque sabia, o que o homem supostamente tentaria lhe oferecer, ela já havia encontrado de uma forma rara e única. Decidiu ir até a cozinha, rasgou o bilhete, colocou dentro de um prato e pôs fogo no pequeno papel. 
Sabia desde o início que, ao menos desta vez, faria a escolha certa para a sua vida. As possibilidades quando se faz uma escolha coerente são bem maiores, o tempo pode fazer acontecer coisas fantásticas, mas a escolha equivocada pode trazer de imediato dor e sofrer. A mulher encolheu-se na cama como quem tenta abraçar a si mesma. De seus olhos, as mesmas lágrimas insistentes chegavam com furor, o coração inquieto respeitava o que dizia a boca quase num sussurro: “tenha paciência”.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Poemas de instantes



Erma 
(por Cláudia Vanessa Bergamini)
Menina, menina, aprende a viver,
tira o pé da lama,
a cabeça da nuvem,
a mente da tempestade.
Procura tua estabilidade,
ela não está no sol,
nem tu és uma lua,
acorda logo e sai à rua.
Deixa de lado a doçura de palavras,
pensa mesmo é na realidade,
pensa nas verdades,
busca a tua sobriedade,
(mesmo quando o vinho deixar corpo e mente rendidos,
faze de flores um colar bonito e sai para desfilar sem medos, estão eles rendidos).
Menina, menina, o tempo corre e cobra.
Quantos dias podes contar e ainda presa estás neste vendaval tão sem sentido?
Corre, menina, para a vida,
tu eras livre e sabes bem disso.
Liberdade, menina, não está no corpo,
está na mente e no coração.
E tu eras livre.
Volta à tua liberdade,
pode ser ela uma farsa, mas teu coração era livre.
Liberta-te do mal que te aflige.
Sorri para a vida e olha ao redor,
sabes bem que rostos miram para ti,
que há mãos que desejam, de verdade, segurar as tuas,
senti-las bem de perto, com calor, com maciez.
Esquece palavras, menina,
são elas tão efêmeras diante de verdades que te fazem sofrer.
Eleva tua face ao céu de novo.
Busca aquilo que já foi,
não queiras ser outra, pois tu és fruto de ti mesma,
e quem te conta mentiras não merece sentir o calor de tuas mãos, nem a doçura de teu coração.
Guarda, menina, o amor para o porvir,
deixa o sorriso para outro dia,
oculta o desejo como outrora isso já conseguistes,
esconde a mulher vibrante e deixa o tempo sossegá-la.
Todavia, não esqueças do chão de luzes baças por que pisou,
agora, toma a rédea de tua vida e pisa em solo firme,
esquece o coração,
volta a ser razão,
não deixes que o olhar te cegues uma vez mais.
Lembra-te das linhas primeiras que lestes,
já não eram tuas,
lembra-te das palavras primeiras a ti ditas,
elas te alertavam e tu, de coração desenfreado,
esquecestes de tua promessa.
Menina, menina,
te quero sorrindo,
te quero vivendo,
te quero liberta.
Age com coragem e crê na tua força.
Esquece o sol e pensa na lua.
Faze com que a lua não morra,
mas que nela deixe de viver o astro que a consome.

Invisível 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Carros passam pela rua. Buzinas soam. Janelas se abrem e se fecham. Da esquina, um grito ecoa. O ônibus freia, alertando os ouvidos de que é preciso atenção. Da casa, a menina a tudo assiste. Pobre dela! Não sabe que no coração o ritmo é mais intenso do que o do frenesi citadino. 

Mister 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Perder-se também é caminho,
nele é que se tenta encontrar o que não se sabe,
mas se sente.
Perder-se é necessário para o encontro consigo...

Laço para enredar
(por Claudia Vanessa Bergamini)
Se me olhares de novo,
com mais atenção, 
encontrarás para além da fragilidade e lágrimas...
Olha-me com olhos devoradores,
tira do teu olhar a água tranquila e põe nele o mar revolto.
Olha-me como quem mira o fogo e suas labaredas serpenteando sob a fogueira,
como quem se depara com a chuva depois da estiagem,
como quem se aquece com o fluir do vinho no sangue.
Se me tocares de novo, 
com mais veemência,
encontrarás na pele a maciez dos lençóis nupciais.
Toca-me com mãos insinuantes,
tira das tuas mãos a delicadeza do toque e põe nelas as garras da águia diante da presa.
Toca-me como quem se agarra à corda diante do desfiladeiro,
como quem segura a medalha depois da longa maratona,
como quem toma a pena para compor o mais belo soneto.
Se me olhares de novo,
como eu me olho agora,
vislumbrarás a geografia do meu corpo,
a seda que me cobre a pele,
os perfumes que exalam do meu cabelo.
Achega-te até mim com lábios molhados,
põe nas tuas palavras as ousadias tantas que conheces,
renda teu corpo aos movimentos do prazer,
deita-te ao meu lado por horas apenas,
para que conheças a eternidade finita do instante.


Aprendizagem
(Por Cláudia Vanessa Bergamini)
Era uma lição de casa,
uma tarefa sem dificuldades,
bastava viver a cada dia e,
pronto, missão cumprida.
Numa manhã, fez-se o Sol.
Tocou em minha mão com um lápis,
e, como se estivesse me conduzindo rumo a um desenho,
foi dando forma a um novo dia.
Não tardou e o lápis grafite foi substituído pelo de cor.
Primeiro um rosa delicado começou a dar vida à imagem.
Logo depois, a cor vermelha,
em todas as suas nuances, foi a mais empregada.
Menos ainda tive de esperar para que todas as cores viessem formar a aquarela diante dos meus olhos.
A lição estava sendo feita,
mas não finalizada.
Distraidamente, cor a cor, a imagem foi sendo composta.
Quanta harmonia dava a ela leveza.
Os olhos dela não queriam desviar-se.
Mas há dias de chuva...
Com eles, há tons tão melancólicos e nostálgicos.
Quando o Sol deixou de conduzir o lápis,
o papel pardo ficou, a lição ficou,
porque nem só de cores vivas se faz uma aquarela.




Dos parágrafos finais 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
E no laço me encaixo,
na trama, vejo o drama,
no enredo, conflito.
E nas personagens sinto a vida, 
na narrativa, o pulsar do coração.
E com a fábula me encanto,
sem desfecho me ponho em pranto,
sem ponto final, uso reticências.
Ainda há interrogações,
porém o capítulo não findou,
vou deixar em aberto.
A vida corre e o final...
Final não há.
Te encontro aqui ou acolá.
Nesta vida ou em outra e juntos vamos por o ponto final.

Construção 
(por Claudia Vanessa Bergamini)


Eu trago minhas mãos vazias,
tirei delas tudo o que não me represente.
Eu trago os pés descalços,
apenas o frio e o calor do chão eu careço sentir.
Eu trago meu corpo nu,
porque precisava tirar da pele tudo o que não fosse pele.
Do rosto tirei a maquiagem,
dele quero somente o brilho dos olhos, o contorno natural dos lábios, o desenho da face.
Da alma tento tirar as marcas por anos incutidas.
Ledo engano!
Não posso sequer borrá-las.
Todavia, posso colocar outras que venham sobrepô-las,
quem sabe até dar a elas o colorido que não veio,
criar contornos outros que sejam tatuagens com sorrisos.
De mim, quero construir um novo eu,
que não seja conivente,
que seja prudente,
que mantenha a audácia e a força de ontem,
mas sem a ingenuidade de sempre...


Noite se fez
(por Claudia Vanessa Bergamini)
E a tarde se fez noite... 
E o sol se ocultou em nuvens... 
E o frio voltou a rondar... 
Importante se faz manter o coração aquecido. 

Obrigada 
(por Claudia Vanessa Bergamini)
O agradecer faz parte da gratidão daqueles que se sentem plenos. Saber valorizar cada instante no dia em que muitas pessoas dedicam um momento a você é essencial para demonstrar a alegria do coração. Muito obrigada a todos que dedicaram a mim um instante de seu tempo e me cumprimentaram, festejando meu aniversário.


Do que se morre...
(Por Claudia Bergamini)
Engana-se quem pensa que se morre de solidão. Não. De solidão não se morre apenas se põe em estado de pranto. Engana-se quem pensa que se morre por amor. Não. Por amor não se morre apenas se põe em estado de tristeza. Engana-se mais ainda quem pensa que se morre por mudanças. Por mudanças não se morre apenas se resiste ao novo. De que se morre, então? Faz-se a pergunta o coração. A resposta eu já sabia, mas demorei a constatar. Só se morre nesta vida se parar de sonhar.

Acredite 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

Sempre há de nascer uma flor! Ainda que o solo seja pedregoso, ainda que à terra faltem nutrientes, ainda que a água seja escassa.
Sempre há de nascer uma flor! 






Uma prece 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

E nem mais o reflexo calmo da água me sustenta. Poderiam vazar-me os mais perfurantes espinhos e eu jamais sentiria uma dor como a que sinto agora, e pensar que essa dor nunca desaparecerá, é um vaga-lume que insiste apagar-se dentro de mim todos os dias. Receio um dia dissolver-me nela e, assim, dissipá-la, mas o Todo Poderoso não deixa, e não deixará. A prece que lhe dirijo nesse instante líquido e morno de angústia é a súplica mais pura, vulnerável e aprazível a seus olhos: cuida de mim!


Vozes 
(por Claudia Vanessa Bergamini)

Deus nos dá pessoas e sonhos, 
com elas, vem a alegria.
Depois, Deus, como quem quer ter certeza de nossa incapacidade de sermos felizes sozinhos,
vai matando um a um os sonhos,
e as pessoas vai tirando...
Ficamos sós,
mãos soltas,
braços ao vento.
É preciso saber, nas horinhas de descuido é que se acha a alegria.






Éolo 

(por Claudia Vanessa Bergamini)
E o vento, ora brisa, ora vendaval, está sempre a rondar-me. Chega e fica um tempo e depois se despede, deixando marcas tão características. Vento, vento, leve tudo o que fere, o que intristece, tira a mácula do coração. Vento, vento, deixe apenas a brisa mansa que longe está, todavia preciso sentir, senão respirar será vão.

Lição de como são os dias
(Por Cláudia Vanessa Bergamini)

Há dias bons.
Há dias ruins.
Outros terríveis e ainda os fantásticos.
Sobreviver a eles é mister.
Ser feliz é instantâneo!







A luta pela expressão: a trajetória de um canto

A trajetória de um canto (Claudia Bergamini) A leitura de um cordel exige daquele que a realiza a percepção aguçada para engendr...